sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Teu passado te condena

O Paulo era um amigo da minha família lá em Itariri. Quando a gente morou no sítio (eu morei em um sítio, caso você não tenha lido o primeiro post) ele era caseiro de um vizinho nosso, e sempre solícito, ajudando todo mundo. Paulo vinha de Pernambuco, tinha uns olhos azuis profundos, um corpo franzino, mas musculoso, andava de cabeça baixa e não gostava de muita bagunça. Seu fraco eram as mulheres, e ele sempre aparecia com uma diferente que fazia ele de gato e sapato e deixava ele sem nada no final.

O Paulo tinha vindo fugido de Pernambuco. Tinha feito coisa feia por lá. Tinha cabra da volante caçando ele pelo Brasil inteiro. Quem via o Paulo que a gente conhecia não imaginava que seu passado era coberto de sangue e dor. Tristeza que ele não podia conter nos olhos.

Uma noite, graças à cachaça e à nossa conversa, Paulo nos contou o que aconteceu. Ele era matador de aluguel, destes que os coronéis contratam quando querem tirar um desafeto do caminho. Tinha sangue ruim quando estava por lá, mas, quando veio prá cá, se acalmou.

Mas a gente sabia que ele tinha um trinta e oito guardado no quarto e que dormia com o facão enfiado em baixo do travesseiro. O Paulo era do tipo que não fechava um olho junto com o outro, não olhava nos olhos das pessoas, andava sempre dois passos atrás de você, para te proteger e observar.

Uma noite, no restaurante, um bando queria nos assaltar. Prepararam tudo para fazer o roubo. Só não contavam com o próprio coração mole de um dos membros, que era meu amigo, e para quem, naquela noite, eu paguei uma cerveja, pois já sabia os planos. Depois que fechamos, ficamos tensos, não conseguindo dormir.

Paulo me viu na varanda de madrugada.

_ Se aquete, Joãozinho. Vá dormir. Não vai acontecer nada.

Na penumbra da rua, vi, durante toda a noite aquele vulto escondido. Sabia que era o Paulo e que estava ali para evitar que qualquer mal acontecesse.

E funcionou.

Meu “amigo”, que queria nos assaltar foi “visitado” pelo Paulo, a gente descobriu depois. De noite, dormindo, ele só sentiu o golpe da face avessa do facão descendo em sua testa e o aviso. “Não faça nada, não mexa em nada e você sabe do que estou falando”. O vulto saiu do quarto e o cidadão nunca mais tentou fazer qualquer coisa contra nós.

Paulo, por amor a nós, permitiu que sua natureza anterior se manifestasse. Ele se arriscou a encarar seus demônios interiores para que nós ficássemos protegidos, e por isso lhe sou eternamente grato.

Nos dias seguintes, ele continuava a mesma pessoa de sempre. Os mesmos olhos fugidios, a cabeça baixa, os passos lentos e a voz calma, como se nada tivesse acontecido. Paulo não negava quem era. Ao contrário, encarava seu próprio mal para proteger aqueles que amava.

Já não o vemos há alguns anos. Não sei o que anda fazendo, mas sei que nunca mais sofremos qualquer ameaça enquanto moramos lá.

Diante de uma mudança drástica de vida nós escondemos nosso passado, fingindo que ele nunca aconteceu. Paulo me mostrou que, mesmo as piores coisas do meu passado devem ser usadas de alguma forma no presente para construir um futuro melhor.

Eu lembro que ele falava da sua história com amargura, se arrependendo do mal que havia feito lá atrás. Mesmo assim, sabia tirar proveito de seu “conhecimento”. Sem precisar voltar às “velhas obras”, soube pegar o melhor de sua experiência e aplicar em sua vida presente. Sua atitude foi de confiança de que seu histórico falaria por si só.

Porém, e quanod só conseguimos trazer de nosso passado aquilo que ele tem de ruim? Quando as nossas memórias nos lembram do mal que causamos.

Sou visitado pela culpa por velhos pecados às vezes. Certa vez acabei com a venda de uma colega de loja por que falei demais sobre um cliente, e falei em voz alta. Eu o conhecia de Itariri, e falei o que não devia. Ele pegou suas coisinhas e foi embora, sem gastar um tostão.

Até hoje eu sinto vontade de pedir desculpas para ele. Ao invés de pegar no meu passado as boas coisas e aplicar, eu preferi usar o meu pior e soltar minha língua.

Passado é algo que nos persegue onde quer que formos. Cabe a nós saber o que vamos usar dele no presente. Que lições podemos trazer para nossas vidas.

A beleza da lição que aprendi com Paulo (que, óbvio, não se chama Paulo) é que, quando olhamos para trás e sabemos separar a amargura da prática de vida, conseguimos tirar grandes lições.

2 comentários:

  1. Eu lembro do "Paulo" a Debi (a cachorra (o animal mesmo) da família não podia ve-lo que rosnava feito doida. Rosnava pra ele e abanava o rabo (a cauda) pro seu pai.. Não me esqueço disso nunca... hehehe Abraços, primo. Passa lá no blog e vê os novos posts. www.contrassenso.blogspot.com. Estavas mal e nam disse nada hoje no almoço. Já melhorou?? Minha mãe quem me disse. Inté

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  2. Muito bom o post, me ajudou muito no momento difícil que estou passando, pois estou sendo perseguido por "sombras do passado", se é que me entende.

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