sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Medo de Deus

O Jesus do SBT, que dava medo para as crianças. Até hoje sinto calafrios.
para vê-lo em ação, clique no título do post.

Meu relacionamento com Deus sempre foi muito oscilante. Não por que Ele me deixasse à míngua à espera e algo que não podia me oferecer. Ao contrário, sempre me supriu de forma sobrenatural, e é necessário, para me entender, entender que sou cristão, evangélico e que esta é uma das poucas coisas sobre as quais eu tenho certeza, assim como meu casamento.
Deus me tomou quando eu era criança ainda, mas eu não quis ceder. Nossos primeiros encontros foram marcados pelo medo. Em minha casa havia um crucifixo de bronze que ficava pendurado sobre a porta da cozinha sobre um fundo de madeira. Em minha criativa infância eu imaginava que Jesus sairia da cruz e viria me pegar. Sempre o imaginei saindo pela porta da cozinha, vestindo uma roupa branca, toda ensangüentada, com as mãos furadas e gritando “foi você que me feriu, e eu vim te pegar!”
Nas missas, quando o padre falava “Jesus está aqui”, eu o imaginava surgindo ao meu lado, com as mãos furadas e os olhos tristes das imagens de gesso que povoavam as capelas campineiras para me assustar. Ficava olhando em volta à caça de seus olhos marejados, dos cabelos castanhos longos e as barbas bifurcadas (influência de alguma época artística onde esta característica era valorizada).
Os filmes sobre a paixão, não os conseguia assistir. Não conseguia passar pela tortura de ver Jesus sofrendo as agruras que estava sofrendo ali, diante de meus olhos. As chagas das mãos sempre me deram medo. Talvez por que eram as mais destacadas e por que eu sempre imaginava minhas mãos sendo perfuradas por grandes pregos. Medo, em minha infância, foi um sentimento muito presente.
Quando disse que Deus me tomou quando eu era criança, foi bem criança mesmo. Um vizinho que morava em meu prédio, Sebastião, discípulo sediado na Primeira Igreja Batista de Campinas, levava a mim e às outras crianças do prédio ao Mcdonalds. Porém, antes de irmos à fatídica lanchonete, passávamos algum tempo no culto do ministério que ele freqüentava. Deus começava a desenhar ali o que viria a ser a minha salvação. Seu projeto não parou, apesar de eu procurar me desviar dele (tentativa inútil) Ele nunca desistiu.
Conforme envelheci, comecei a descobrir que a imagem que fazia de Deus era baseada em uma visão errada de quem Ele é realmente em minha vida. Pensava em um Deus punitivo, quando, na verdade, era um Deus cheio de amor que olhava para mim do céu. Enquanto eu pensava em julgamento, ele pensava em piedade. Se eu tinha em minha mente “punição”, ele oferecia consolo e abrigo.
Abri meus olhos para quem Deus é realmente. Não uma imagem de rosto agonizante presa em uma cruz, mas Aquele que venceu a morte e atravessou os séculos ensinando sobre seu amor e sobre a obra que quer fazer em nossas vidas.
Na escola, as imagens em feltro presas sobre um cenário bonito me ensinaram sobre o pecado de Adão, e sobre como todos nós somos sujeitos ao pecado. Havia em minha classe uma menina japonesa budista e quando tínhamos aulas de religião ela saída da sala. Alguns professores não gostavam disso, mas creio que o respeito ao credo alheio só fortalece a sua fé em seu próprio credo.
Billy Graham, quando interpelado por Woody Allen em uma entrevista para este em um programa de TV, respondeu a uma provocação do cineasta “Billy, vou te converter ao ateísmo”. “Você pode tentar, conversar com você só fortalecerá ainda mais minha fé”.
Nem todo mundo, quando desafiado por uma mente arguta, consegue manter seu argumento de pé. E não estou falando de estudo contínuo da Bíblia, de forma cansativa e exaustiva. Uma simples leitura diária, calma e descompromissada, nos mostra as respostas que procuramos muitas vezes em nossos momentos de existencialismo mais profundo.
Não minto. Não me converti por motivos nobres. Meus primeiros passos na igreja foram dados ao lado de minha esposa, que, na época, era minha namorada. Ela estava escolhendo a igreja enquanto eu ficava para trás. Para não perder a mulher que eu amava, resolvi perder o medo de meu rival e quis conhece-lo, saber quem ele era. A melhor coisa que poderia me acontecer foi escolher o embate, pois, da mesma forma que Billy Graham encarou Woody Allen, com o peito aberto, Jesus me encarou e me mostrou a infelicidade de minha falta de fé e a incerteza com que meus pés vacilantes andavam.
Jesus abriu os braços para mim e já não havia medo, mas uma curiosidade intensa, uma vontade profunda de conhece-lo, saber quem era, descobrir sua vontade para mim. Descobri que, além das chagas, havia um homem que amou toda a humanidade e que me amou e que fez aquilo por mim não por que eu o puni, mas por que Ele me amou antes de eu vir a existir.
Entender isso foi fundamental para entender quem eu era. A relação que eu tinha com Deus e com Jesus mudou totalmente. Ele está além da cruz. Ele está além do sofrimento. Ele passou por isso para que eu não passasse, mas, ao contrário do que todas as imagens que vi me falavam, passou por que escolheu isso.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Amor, Amor...


Quando amamos, muitas coisas fazem mais sentido para nós. Porém, nem tudo. O amor não é uma ciência exata, com equações perfeitas e números redondos. É mais como uma daquelas raízes quadradas com “N” casas atrás da vírgula. Casas que podem mudar tudo, e com valor tão pequeno.
Como amamos? Como escolhemos quem amamos? Para estas perguntas, sempre existe um cientista que vem com uma resposta cheia de tópicos explicando seus feromônios, seu DNA e uma série de reações químicas, além de uma lógica simplista que resume tudo à nossa necessidade de evoluir (escolhemos a mulher certa por conta da largura dos quadris, do tamanho dos seios, da cor dos olhos, etc). Ou um poeta, que vem e fala sobre uma série de sentimentos maravilhosos que tomam nossos corações diante de uma paixão voraz. Para mim, ambas respostas são incompletas.
O amor é uma união entre a razão e o subconsciente com o objetivo único de fazer com que você seja feliz. É um dos recursos que nossa própria mente mimetiza do seu Criador e faz com que nosso corpo obedeça a este estímulo. Não um estímulo químico, mas racional e subconsciente ao mesmo tempo, formando um interessante paradoxo.
Desde crianças aprendemos a gostar de um tipo de menina ou menino. Aprendemos a identificar o que é belo para nós (e isso, por ser um conceito subjetivo é derivado da criação de cada um de nós), o que é agradável. A voz, o cheiro, o sabor, as cores, etc. Aprendemos sobre coisas que gostamos de fazer e coisas que não gostamos, e tudo isso vai se tornando background para escolhermos a pessoa de nossas vidas.
Com toda esta bagagem, nós descobrimos que somos como a metade de algo que precisa ser completado. Uma antiga lenda grega diz que os seres humanos eram formados por duas metades iguais, cada uma com dois olhos, uma boca, duas pernas, dois braços e (gosto de pensar assim) a metade de um coração. Os deuses gregos teriam cortado este ser no meio, pois era muito poderoso. Por conta desta separação, passamos a vida a procurar nossa outra metade. Esta história se cumpre nos versos de Wave “É impossível ser feliz sozinho”.
Não acredito na história (o que é obvio), mas acho a analogia interessante. Duas metades procurando uma à outra. Com tanta gente no mundo é possível encontrar esta outra metade e ser feliz para sempre. Ou não.
Conheço muita gente que encontrou uma metade parecida e se finge satisfeita com isso. Não há como ser feliz assim, já que não nos completamos. O excesso de pessoas na Terra faz com que nós pensemos que uma metade parecida com a nossa possa se encaixar. Tenho ouvido muito a seguinte frase: “Se não der certo o casamento, a gente se separa”. Ou seja, as pessoas se adaptam à metade parecida até por preguiça de buscar a metade perfeita. Vemos tanta gente se desencontrando por aí que não sabemos mais se há segurança na solidão que precede o encontro verdadeiro.
Aos sábados à noite eu trabalho com filmagem de eventos sociais. Mais especialmente casamentos. Vejo, todos os finais de semana, pelo menos um casal se unindo “até que a morte os separe”. Já vi muitos padres, pastores, elderes, juízes e outros sacerdotes ou pessoas a quem o poder foi concedido falando sobre o amor e sobre a paixão. Porém, nada me fala mais alto sobre o amor do que o brilho nos olhos de um noivo esperando sua noiva no altar.
Há algo diferente quando eles levam a sério a sua união, e podemos ver isso refletido em seus olhos. Os noivos, em geral, são as molduras para as noivas, que são os quadros. Mas que belas molduras são quando estão cheios de lágrimas nos olhos ao ouvir os primeiros acordes da marcha nupcial, vendo as portas da igreja se abrir e a sua esperada surgir em todo seu esplendor. Poderia fazer diversas analogias sobre o amor de Cristo, mas não é esta a proposta, estamos falando do amor entre homem e mulher, que Deus criou para estarem juntos.
Diante dos olhos marejados, nós vemos que o amor pode fazer maravilhas. Já vi grandes homens fortes, donos de si, chorando como crianças diante de sua noiva, e eu acredito que a história do “amar-te e respeitar-te todos os dias de nossas vidas, até que a morte nos separe” é real. Eu acredito no amor até o fim, e não nestas teorias absurdas de que o ser humano pode se apaixonar por mais de uma pessoa por vez. Mentira. Amor inclui devoção, renúncia e exclusividade.
Encontrei minha metade perfeita cerca de nove anos atrás. Em um grupo de teatro, cabelos negros, sobrancelhas grossas, olhos marcantes, sorriso perfeito, ela me via como um amigo, mas eu a vi como mulher. Estamos casados até hoje e nosso amor cresce a cada dia. Há momentos tristes e momentos felizes, sim. Porém, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na prosperidade e na adversidade, todos os dias de nossas vidas, amando-nos, respeitando-nos até que a morte nos uma a Cristo” é real, e não me arrependo nem por um segundo ter feito este voto junto dela. Fernanda me completa, é a metade perdida por quase vinte anos. Hoje, a metade achada.

Nunca desista de buscar o amor verdadeiro. Não se entregue a qualquer amorzinho de esquina. Quando a sua metade chegar, creia, você saberá que é ele não na sua carne, pois amor não é um “negócio de pele”, mas em seu coração, que é o lugar onde você guardará este amor para sempre.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Amizade



Não sou de muitos amigos. Taciturno, dotado de um humor negro quase ininteligível não consigo agregar pessoas à minha volta. Sinto falta disto.
Sinto falta de ter pessoas me ligando e me falando da festa de tal pessoa, que seria legal eu estar lá, que seria interessante que eu fosse, etc. Nunca sou convidado para festas, confraternizações. Sou um isolado.
Minha esposa não fica atrás. Durante muito tempo ela teve a fama de anti-social. Na verdade ela, como eu, é mal compreendida.
Somos honestos demais para viver no meio da hipocrisia humana. Minha loquacidade faz com que eu não consiga ver as pessoas como elas gostariam que eu as visse, mas como elas são, e isso me desaponta.
Eu já deveria estar acostumado a isso, mas não dá. Manipuladores, vazios, os seres humanos são uma raça que não reflete a grandeza de seu Criador. Infelizmente perdemos a capacidade altruísta dada por nosso Pai. Ao longo do tempo nos tornamos egoístas e mesquinhos, sempre buscando vantagens nos outros.
Tenho uma pessoa por quem tenho grande apreço e respeito, alguém a quem eu peço conselhos quando tenho dúvidas. Nosso relacionamento, porém, é muito triste, visto que só quem se dá sou eu. Enquanto sou útil, estou ali ao seu lado. Quando não precisa mais de mim, não me procura, nem quer saber como estou.
Isso me entristece muito, pois gosto muito desta pessoa, mas me sinto constantemente manipulado pelo fato de que ela exerce uma certa “autoridade” sobre mim.
Não sou uma massinha, que pode ser modelada de acordo com a vontade das pessoas à minha volta. Tenho vontade própria, sou dotado de livre arbítrio, tenho capacidade intelectual avantajada, Q.I. estimado em 130, e isso tudo faz com que eu tenha a capacidade de ver as cordinhas que tentam amarrar em nossos membros quando querem nos fazer de marionetes.
Não posso aceitar ser manipulado. Vai contra meus princípios, contra aquilo em que eu acredito. Fui criado em um lar humanista, com pais que me ensinaram sobre liberdade e sobre como ela e a responsabilidade andam juntas, o que explica as pessoas aceitarem de bom grado as cordinhas nos membros: ninguém quer se responsabilizar por nada, logo, abrem mão da liberdade.
Nesta de não se responsabilizar, dizer coisas do tipo “eu sou assim mesmo”, “eu falo na cara”, tomam conotação de “personalidade forte” para quem fala, mas de bravata vazia para quem ouve. Qualquer um pode falar o que lhe vem à mente no momento de ira, apenas um apaziguador sabe guardar seus pensamentos para si e analisar o que acontece à sua volta com a frieza e a distância necessárias.
Sofro de um mal, quase uma doença para as pessoas que não entendem: eu me coloco no lugar das outras pessoas. Quando estão me agredindo, paro para pensar no que aquela pessoa está passando, sofrendo. O que está doendo para ela gritar de dor assim?
Este “dom”, para muitos seria muito ruim, pois teriam de abrir mão de pensamentos e sentimentos que os dominam. Não é qualquer um que consegue descarregar a bagagem das costas tão facilmente.
Como disse logo no início desta viagem, carrego comigo apenas o que preciso para a jornada que estou enfrentando. Os poucos amigos que tenho estão aqui comigo, em fotografias mentais, lembranças dos momentos (bons ou maus). Eu preciso deles para seguir. Não ao meu lado, mas dentro de mim.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


O que fazer quando nossas ações contrariam nossos discursos? Quando não somos fiéis como dizemos ser, ou verdadeiros como dizemos ser? Porém, o que é pior: o que fazer quando descobrem isso?
Ser exposto à sua verdade é horrível. Ninguém gosta de ver o quanto é uma fraude. Porém, todos nós somos fraudes ambulantes, dizendo fazer o que não fazemos, acreditar no que não acreditamos. Escondemos nosso verdadeiro “eu” para que as pessoas à nossa volta possam achar que somos melhores. Queremos ser aceitos.
Ou, pior, escondemo-nos com o intuito claro de obter alguma vantagem.
Eu valorizo a honestidade e a confiança. Valorizo a transparência nas relações com as pessoas, mas eu sou transparente? Sou totalmente honesto e digno de confiança? Quando me avalio, chego à conclusão que não sou.
Não tenho problemas de autocrítica. Ao contrário, tenho uma ponta de soberba que me impede de ver meus erros à primeira vista. Preciso ser exposto a eles para poder ser transformado.
E não sou sempre eu que me exponho. Aliás, nenhum de nós expõe o próprio erro para si mesmo. Todos nós fingimos que somos alguém que não somos e, no palco da nossa vida, o espectador que mais queremos agradar é a gente mesmo. Nós queremos acreditar no conto de fadas que nós mesmos contamos.
Preguiçoso, orgulhoso, mentiroso, presunçoso, prepotente, egoísta, desonesto, invejoso, vazio. É contra esta personalidade que preciso lutar todos os dias quando acordo. Este é o monstro que eu combato todos os dias, e não os outros. Infelizmente, em grande parte das vezes, eu perco a luta.
Diferente do que dizia Sartre, o inferno não são os outros, mas nós mesmos, que colocamos máscaras para vivermos em sociedade e somos sufocados, pois as máscaras que usamos não têm escape de ar e, muitas vezes, nem um pingo de realidade nos resta. Nem um sequer.
Jesus trata esta personalidade como “velho homem”. É a pessoa que nós somos antes de permitir que Ele tire a nossa máscara. São formas de ver o mundo e viver que não agradam ao Senhor. São características que não fazem parte da mente de Cristo.
Quando eu minto, estou indo contra minha nova natureza, por isso a minha consciência me cobra tão caro. Eu não deveria ser assim, mas “manso e humilde”, como Jesus.
Porém, não sou nem tão manso e nem tão humilde quanto deveria ser, nem tão inteligente quanto meus amigos pensam que sou, nem tão interessante quanto minha esposa me faz acreditar. Sinto-me, na verdade, como um ótimo ator, interpretando vários papéis ao mesmo tempo, esperando pelo momento derradeiro em que a cortina se fechará e eu poderei tirar a máscara e respirar o ar puro da transparência, e não o ar viciado da hipocrisia.
Porém, não acho que seja fácil assim. Confeccionei as máscaras durante toda a vida e agora fica difícil simplesmente lançá-las fora. Eu, personagem de mim mesmo, não sou, sequer, quem penso que sou. Sou uma incógnita até para mim mesmo. Uma pergunta que não sei responder.
Não sou amigo de fofocas, mas deixo meus ouvidos extremamente alertas para qualquer assunto sendo falado à minha volta. Não gosto de mentiras, mas sou o primeiro a mentir sobre diversas coisas que não sei e que, para não sujar a imagem de inteligente que as pessoas têm sobre mim, digo que sei, dando uma explicação cheia de suposições e conceitos. Não aceito que ajam com violência comigo, mas sou o primeiro a gritar quando acuado. E nunca consigo ver o quanto isso machuca aqueles que estão à minha volta.
Quero e vou mudar. Estou buscando me livrar destas máscaras, mas é como se estivessem costuradas ao rosto, prendendo-me a esta mentira sufocante que sou eu mesmo. Nem lembro mais do meu rosto aqui em baixo, não sei quem sou, ou quais sentimentos realmente me motivam, mas quero ser transparente. Até para mim ainda sou um mistério.
Agir diferente do que ajo? Não sei. Não seria isso outra máscara que me forço a colocar para parecer mais autêntico? Por isso esta viagem dentro de mim mesmo, para saber quem sou de verdade por baixo da máscara sob a qual escolhi viver tanto tempo.
Claro que há pontos onde há honestidade em mim, e não vou fechar o post sem, pelo menos, falar de alguns deles.
Perdôo com facilidade, amo intensamente as pessoas que me cercam, deixando de lado seus defeitos. Por mais estranho que pareça, tenho uma esperança infantil (quase ridícula, eu diria) na humanidade. Ponho fé na capacidade das pessoas de vencer desafios maiores do que parecem. Isto é real em mim.
Meu amor por Deus é real, meu amor por minha esposa é real, o respeito que nutro por pessoas mais velhas é real, a esperança nos mais jovens é real. Sou de uma geração errática, que nasceu entre duas revoluções. Uma social e a outra convencional (de convenções, e não comum). Somos a geração perdida dos anos 80, aqueles que cresceram entre as “Diretas Já” e os “Caras Pintadas”. A maioria de nós não faz questão de fazer a diferença neste mundo.
Mas não quero que seja assim comigo. Não. Preciso tirar as máscaras para que saibam que sei quem sou, e, mesmo que me aterrorize comigo mesmo, eu possa entender por que sou assim.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Epitáfio


Aqui jaz um homem que gostaria de ter vivido mais. Seus restos mortais já foram retirados e doados para alguém que os usará melhor, mais intensamente e com mais amor que ele. Suas memórias não ocupam sequer uma pasta suspensa no grande arquivo da humanidade e seus sonhos eram tão ínfimos que são apenas notas de rodapé nos sonhos de alguém. Morreu sem saber quem era.
Não quero este epitáfio em minha lápide quando morrer (exceto pela parte onde fala sobre doações de órgãos). Não quero viver pela metade, nem sonhar pela metade, nem amar pela metade.
Metade de nossa vida passamos nos relacionando. A outra metade, ficamos divagando sozinhos, assistindo TV, ou fazendo alguma outra coisa sem muita utilidade para a humanidade. Alguns garotos ainda passam grande parte do tempo de suas vidas relacionando-se consigo mesmos, o que é uma grande perda de tempo, mas não vou entrar neste assunto, que é delicado demais para tratar aqui.
Neste momento, estou vivendo a metade importante da minha vida. Estou me relacionando com as pessoas que lêem meu blog. Escrevendo, estou compartilhando com alguém as minhas impressões de vida, minhas idéias, meus ideais, meus sonhos. Os princípios básicos que regem o ser humano estão baseados em relacionamentos, na forma como agimos e reagimos ao outro, nosso igual.
Em meu epitáfio, gostaria de ler algo assim:
Aqui jaz um homem que viveu demais. Seus restos mortais foram doados para pessoas que ele espera que usem com tanta intensidade com quanto os usou antes. Suas memórias serão lembradas por toda a humanidade e seus feitos se tornarão lendas. Ele sorriu com os que sorriam, chorou com os que choraram, lutou ao lado dos que lutaram, e apoiou os que tinham medo de lutar. Seus sonhos transformaram os sonhos daqueles que o cercaram e ele fez diferença na vida daqueles que acreditaram nele. Ele sabia quem era. Deixará saudades para todos os que o encontraram.
Arrogância? Não. Quem não quer um epitáfio destes? Ter seus sonhos lembrados, ter seus atos cantados em canções? Vivo em um mundo meio capa-e-espada, como um cavaleiro da távola redonda, buscando salvar a donzela indefesa que é a humanidade. Às vezes me imagino em um cavalo branco, lutando contra dragões, bruxas e outros seres ainda mais vis. Na minha concepção de mundo tudo é muito simbólico.
Mas esta é uma das minhas buscas: fazer diferença de forma que, depois de eu morrer, minha foto figure em livros de história como sendo algum tipo de pessoa que fez a diferença. Posso dizer, honestamente, que parece que isto é procurar a glória própria, mas não. Não é isso que quero.
Quero ter relevância. Na estrada da humanidade, onde todos somos pedrinhas de asfalto, há pessoas que são grandes lombadas, onde os carros da memória precisam passar com mais vagar e dizer “olhem, esta lombada existe”, enquanto a maioria de nós não é mais que um paralelepípedo perdido, querendo ser aquele aclive onde todos precisam ter cuidado.
O desejo honesto de todos nós é ter relevância. Fazer a diferença, sem arrogância. Sou jornalista, sofro da síndrome de Clark Kent: quero mudar o mundo.
Talvez não cantem minhas glórias, talvez não lembrem minhas histórias, talvez meus órgãos não possam ser doados, nem meus sonhos influenciem os sonhos dos que me cercam. Mas sei que sentirão saudades de mim, e isto é fundamental para mim, como o ar que respiro. Meu epitáfio poderia se resumir à última frase: deixará saudades para todos que o conheceram.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O Que estou fazendo aqui?


Quando comecei a escrever este blog, havia um propósito a ser alcançado: queria me encontrar. Entender qual o meu papel no mundo em que vivo. Quero entender quem sou.
Havia, também, outros objetivos diferentes envolvidos. Queria me disciplinar a escrever diariamente uma página e meia sobre um assunto que achasse interessante, para me preparar para escrever um livro. Desenvolver a capacidade de escrever sem ser repetitivo (coisa que sou demais), saber se era possível tocar as pessoas à minha volta.
Agora, quase um mês depois, aqui estou eu, na mais profunda crise de criatividade. Diante dos meus olhos, apenas o branco.
Poderia escrever sobre a falta de assunto, mas aí já é assunto o bastante, então deixa de faltar. Tentei escrever um texto sobre Deus e a morte, para falar de minha relação com o medo, mas não consigo sair do terceiro parágrafo. Em minha mente abriu-se um grande hiato que não consigo fechar.
Vejo que meus objetivos secundários não estão sendo alcançados. Não consigo escrever diariamente; continuo repetitivo e as pessoas não são tocadas pelo que escrevo. Sinto-me profundamente frustrado. Ao que nos leva à pergunta do título:
O que estou fazendo aqui?
Já que, para alcançar meu objetivo primário eu não preciso do blog, ele é apenas uma ferramenta para extravasar a frustração e organizar idéias (que não estou organizando, já que não as estou escrevendo), por que mante-lo? Por que continuar escrevendo?
Para terem uma idéia, não consigo nem criar este texto, cujo conceito já esqueci. Minha mente está perdida no meio do trabalho, estou preocupado demais para prosseguir. Desculpem, mas, me respondam: o que estou fazendo aqui?
Aliás, o que todos nós estamos fazendo aqui, neste planeta, girando em torno do sol, flutuando no meio do nada, perdidos? Somos habitantes de um pedaço de poeira espacial, perdido em uma galáxia minúscula, no meio de bilhões de galáxias perdidas por todo o universo. E a minha fé me faz acreditar que somos especiais, que fomos escolhidos por um Deus maravilhoso, que preferiu amar um monte de descontentes a ficar sozinho girando ao redor do universo.
Um bando de descontentes, é isto que somos. Nunca satisfeitos com a vida maravilhosa que temos. Se temos muito, queremos mais, se temos pouco, só conseguimos olhar para as limitações e não conseguimos ter prazer nas pequenas coisas.
Estamos anos luz à frente de qualquer outra criação que habita este planeta. Temos de ser gratos por que nosso cérebro superdesenvolvido e nossos polegares opostos e nossa postura ereta que nos fazem ser os melhores sobre a Terra. Graças às ferramentas que Deus nos deu, nós podemos conceituar, catalogar, reagir cognitivamente, raciocinar e racionalizar. Somos tão abençoados que Deus permitiu que uma parte importantíssima dele estivesse dentro de nós: podemos criar, como Ele cria.
Somos ingratos por sermos quem somos, sendo que esta é nossa maior benção. Podemos amar, graças ao amor que Ele sente por nós. Tudo o que sentimos de bom é um reflexo dele e tudo o que sentimos de mau é um reflexo de sua ausência.
Minha defesa de Deus não é muito forte, e nem quero discutir sobre isso. Minha fé é grande o bastante para me manter andando, com a certeza de que Ele abrirá meus olhos diante do que procuro e me revelará o que estou querendo. Eu sei que Ele falará, quando eu estiver diante do propósito que tanto procuro, “É isto que você está à busca há tanto tempo”. Então eu comemorarei, e cantarei, e farei com prazer aquilo para o que fui chamado e terei a resposta para a minha pergunta: o que estou fazendo aqui?

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009


Descobri um novo sabor em minha vida. Não sei como fiquei vinte e sete anos sem experimentar isto, sem saber o gosto, o cheiro, simplesmente por que tinha preconceito quanto a esta nova descoberta.
Ante-ontem eu comi, pela primeira vez em minha vida, uma manga.
E, não satisfeito, chupei o caroço.
Volto a perguntar: como pude ficar tanto tempo sem experimentar manga? Como sobrevivi até hoje sem saber do sabor doce, do cheiro suave e da textura saborosa desta fruta? Como pude não querer experimentar manga antes?
Penso quantas outras mangas existem na minha vida. Quantas coisas que eu perdi a oportunidade de experimentar por medo de não gostar. E não são só as frutas, mas pessoas, situações, viagens.
Minha esposa quer fazer um cruzeiro quando tivermos dinheiro. Eu nunca entrei em um barco por mais de vinte minutos em minha vida, e o mais longe da costa que eu já cheguei foi no meio do canal de Ilhabela. Além disso, coloco um monte de defeitos no desejo dela de viajar: tudo é caro, é chato, é o mesmo que ir a um shopping, só que no mar, etc.
Depois de comer a manga eu me perguntei se não estou fazendo o mesmo com o cruzeiro? Se não estou perdendo a oportunidade de experimentar uma sensação maravilhosa que o cruzeiro pode me proporcionar.
Os motivos para colocarmos barreiras para novas experiências são vários, desde medo até preconceitos, traumas, etc. Vence-los é uma questão de atitude e escolha.
Outro motivo para dizermos não para oportunidades em nossas vidas é uma frase que reverbera na mente de muitos de nós: “eu não estou preparado para isso”.
Sempre ouvi esta frase e durante muito tempo acreditei nela. Sempre me julguei incapaz de cumprir certas tarefas. A insegurança vivia comigo e eu deixei de obter grandes conquistas na vida graças a ela.
Porém, preconceitos são vencidos por meio de atitudes e eu tomei as minhas. Hoje tenho meu site (
www.jornallivrearbitrio.com), tenho minha esposa (a maior conquista de minha vida) e tenho uma vida tranqüila. Não faço o que amo, mas amo o que faço em meu trabalho. E tudo isso tendo sido uma pessoa extremamente insegura.
Mas o que nos faz inseguros? O que nos faz achar que não estamos preparados para chupar as mangas que Deus nos oferece? Quais são os impedimentos em nossa mente que nos bloqueiam?
Por que acreditamos no que as pessoas erradas dizem. Se ouvíssemos mais aqueles que acreditam em nós, veríamos o verdadeiro potencial que temos. “de tudo, retém o que é bom”, diz o apóstolo Paulo, e as pessoas que nos jogam para baixo não têm nada de bom para nos oferecer.
Tendemos a ser muito autocríticos e acabamos por dar ouvidos às frases que não devíamos. “Você está gordinho”, “Isto poderia estar melhor”, “Eu não sei se você pode fazer isso”, “Não é parte da sua competência”. Isto é o que o mundo nos fala para nos deixar acomodados em nossa própria posição, sem experimentar, sem renovar.
Sempre fui horrível em matemática. Nunca gostei da matéria, pois não consigo imaginar a vida de forma cartesiana, objetiva. A vida não é A+B=AB, mas uma infinidade de variantes que, por vezes, estão além de nossa possibilidade de compreensão. Só saberemos o verdadeiro sabor daquelas "mangas" que recebemos se as experimentarmos. Cada experiência de nossa vida é uma variante que pode gerar possibilidades boas ou ruins, que só saberemos se tentarmos viver.

Chamfort, filósofo francês diz que o homem chega inexperiente a cada idade da vida. Ou seja, se não experimentarmos, não poderemos ter tais experiências. Ninguém pode aprender com as experiências dos outros. Se outras pessoas pegaram mangas azedas em áreas de sua vida, não quer dizer que as suas não possam estar sumarentas.

Não dê ouvidos aos que dizem que as mangas não estão boas, que cruzeiros não são divertidos ou que pessoas são desagradáveis. Experimente a vida, pois não a vivemos duas vezes, assim como cada manga matura uma única vez em sua vida.
Eu disse sim para manga e estou pensando seriamente em dizer sim ao cruzeiro. Há muito tempo disse sim a mim mesmo. Experimentar sem medo só me tem feito bem, e acredito que continuará assim eternamente.

Proposta do dia:

Se você não gosta de manga, coma manga. Se não gosta de alguém, mas não tem motivo, converse com esta pessoa. Experimente algo diferente!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A Barreira dos Cinco Anos


Eu tinha uns cinco anos de idade quando ouvi, no clube que freqüentávamos em Campinas, a seguinte frase: “Você não lembra de nada de antes dos cinco anos de idade”. Não sei quem falou isso, mas foi em uma mesa, à volta de algumas garrafas vazias de cerveja, ou seja, em alguma academia filosófica padrão do Brasil do século XX.
Devo ter ficado me concentrando naquele momento, para que ele ficasse marcado em minha mente e eu pudesse contrariar a “sabedoria divina” que provinha da mesa do bar. Tentei lembrar várias coisas em meu passado, tão curto até então, e guardei-as em alguma gaveta em minha lembrança. Porém, o que mais me interessa, quando olho para trás e vejo aquele momento, é a minha atitude de inconformismo diante do inevitável. Não importa se era verdade ou não aquela informação, mas sim que, como criança, eu acreditava piamente em tudo que os adultos diziam. Então, para mim, não lembrar de meu passado era verdade. Aquilo ia acontecer comigo.
O determinismo daquela frase me chocou, mas não me dei por vencido. Creio que minha contínua ligação ao passado tem raízes neste momento. Sou alguém que não quer esquecer. Reservei uma grande área em meu cérebro com um álbum de fotografias e vídeos para onde posso correr para lembrar tudo. Busco em minha vivência anterior a contínua bagagem para a vivência posterior. Para viajar, precisamos saber com o que nos vestir para onde vamos, e nada melhor do que lembrar como nos vestimos da última vez que estivemos ali.
Tenho flashes dos meus primeiros anos. Muito esparsos, mas consegui romper a barreira imposta por aquela citação. Sem muita lógica, consegui formar um pequeno quebra-cabeças de reflexos que se estendem pelo período de aproximadamente dois anos antes do fatídico dia de meu quinto aniversário.
Lembro de duas coisas do meu primeiro colégio: “Balão Mágico”. Lembro dos brinquedos do play ground, lembro de estar com as monitoras no play-ground, em um brinquedo que parecia uma gaiola. Lembro de estar sentado em uma mesa, em uma festa junina, ao lado de uma menina de olhos verdes e da minha mãe falando que éramos namorados. Eu tinha quase cinco anos nesta época. Era meu último ano naquela escola.
Lembro do dia em que meus pais me contaram que eu ia ter um irmãozinho. Nós estávamos no carro (um Passat, não lembro qual, pois tivemos um azul, um cinza e um branco) e eles disseram que o Felipe estava vindo. Eu tinha quase quatro anos e estava de pé no espaço entre os dois bancos da frente, olhando para minha mãe, que sorria para mim.
Quando meu irmão chegou em casa, eu lembro de estar no quarto da minha mãe, com a minha avó, esperando. O carro parou de frente para o prédio onde morávamos. As grades do prédio eram de ferro, pintadas com tinta anti-ferrugem e o piso ainda era de concreto, com as marcas das vagas de estacionamento dos apartamentos pintadas em amarelo. Eu tinha quatro anos de idade.
Lembro da pintura azul em meu quarto, com as nuvens. Lembro do meu pai criando, com mãos de marceneiro, os móveis de nosso quarto. Lembro da escola “Meu Quintal”, comigo fantasiado de Gorpo, por que não queria ficar vestido de He-man. Lembro de ir ao Taquaral, um parque em Campinas, com mais umas seis pessoas dentro de um fusca branco. Lembro do cheiro de uma bola de borracha que compramos lá. Lembro de muito mais coisas, que não preciso dizer aqui. Tudo antes dos cinco anos.
Eu lutei contra uma determinação do tempo. Lutei contra o conhecimento humano de que não poderia me lembrar de nada antes dos meus cinco anos de idade e lembro. Lutei para não esquecer qual é o sabor da memória para mim. Lutei, por que tudo o que posso fazer contra o determinismo é lutar. Não quero ter uma vida vazia, sem lembranças.
Não vivi muito. Nem vivi intensamente. Sempre tive uma vida perene e normal. Normal demais, sem muito me aventurar. As perdas não foram tantas, e nem tão marcantes (excetuando-se meu avô e minha avó, não perdi entes queridos). As vitórias não foram tão grandiosas. Porém, as lembranças desta vida são minhas e não aceito que digam até onde posso lembrar delas.

Proposta do dia: lembre-se de algo de sua infância. Um cheiro, uma pessoa, uma textura.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Amada Amiga


Por ser um contínuo viajante, não me conecto aos lugares de forma convencional. Cada localidade por onde passei é como um velho amigo, com sentimentos e histórias que compartilhamos e que, quando nos sentamos juntos, lembramos com risadas.
Lugares são, em minha mente, mais que simples lugares, adquirindo uma conotação especial. E poucos lugares são tão especiais para mim quanto meu velho amigo Guaraú.
Guaraú é uma praia incrustada no meio da mata da Juréia. Sua relação comigo era quase de amantes. O guaraú era como uma linda mulher que se escondia misteriosa por trás das curvas sinuosas de uma estrada estreita chamada vida. Guaraú me ensinou o que é solidão e o que é alegria. Compartilhou comigo momentos de felicidade (pescarias, descobertas) e a desilusão da perda (a morte do meu avô). Guaraú me fez descobrir mais sobre mim do que a grande maioria das pessoas que passaram pela minha vida.
Sinto falta das areias macias de suas ruas esculpidas no meio do matagal. As casas esparsas ao longo da Rua do Telégrafo, por onde andava de bicicleta. Guaraú, velha amiga, amante de águas salgadas, sinto saudades de você.
Porém, minha amada morreu. As coisas não são como nos lembramos dela. O grande problema da realidade é que ela vem para esmagar nossos sonhos e nossas lembranças e nos traz amargura à boca.
As ruas de areia branca foram substituídas por asfalto, e os rios que éramos obrigados a atravessar de carro foram cobertos por pontes, como se fossem um sangramento a ser estancado. Eram lágrimas de quem sabia o que a esperava. De quem sabia que ia morrer.
A docilidade da noite escura de lua grande que invadia a praia foi trocada por holofotes amarelos ao longo da orla. O romantismo acabou, minha amante se foi, já não existe mais.
Porém, ficou a lembrança de quem éramos juntos em minhas brincadeiras infantis e meus primeiros arroubos juvenis ainda me dá calafrios de quando se vê a primeira namorada. O primeiro amor é sempre duradouro e perene, mesmo que o objeto amado tenha morrido.
Foi triste o destino de minha amada Guaraú. Minha velha amiga se foi. Quando olho para trás e vejo o que passamos, sinto, mais do que saudades, a certeza de que vivemos muito, compartilhamos muito, dividimos muito. Em suas areias sentava-me para ver o mar e acompanhar o desenho que a lua fazia em suas águas. Conversava com ela e esperava respostas. Em Guaraú eu ouvi minha mente perguntar o porque de tudo pela primeira vez.
Amigos fazem-nos questionar nossos princípios, sem nos censurar por termos feito as escolhas que fizemos. Discordam de nós, mas respeitam nossas escolhas. Nunca duvidam de nossa capacidade. Sempre questionam nossos limites e sempre aceitam que façamos o mesmo.
Tive muitos relacionamentos parecidos com amizades em minha vida, mas sempre faltava algo. Eu sempre me senti invadido, mas nunca consegui que permitissem minha invasão. Isso foi fazendo com que me fechasse e duvidasse mais do ser humano a cada dia.
Meu relacionamento com os verdadeiros amigos tinham que ser como meu relacionamento com Guaraú: sem segredos, sem limites, sem barreiras. Quando estava lá, entregava-me totalmente a ela e vice versa, de forma transparente, completa, incondicional.
Porém, humanos não são praias (e nem ilhas) e não são tão abertos assim às águas que vêm a eles. Mais parecidos com rios sinuosos, onde cada curva guarda uma surpresa, os mistérios do ser humano não são tão prazerosos de se descobrir quanto os mistérios de uma praia insondável. Diferente das praias, que escondem o seu melhor, não o revelando no primeiro encontro, mas nos encontros mais furtivos e íntimos, nós, humanos, revelamos o nosso melhor e escondemos o nosso pior, que vamos revelando com o tempo. A praia não exige confiança para se abrir para nós. Ela se revela e nos surpreende a cada passo. O ser humano nos conta seus segredos de forma triste e vaga, escondendo seus verdadeiros sentimentos.
Não somos feitos de areia e mar, mas de carne e sangue, e isto faz diferença. Ainda conhecerei outras praias, mas não acredito que tenha uma ligação tão forte com nenhuma delas, assim como não acredito que possa permitir uma ligação tão forte com outras pessoas também.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

NÃO!

("O Filho do Homem", de Reneé Magritte. O proibido diante dos olhos, a negação nas mãos junto ao corpo. Desejará o homem no quadro morder o fruto proibido? Quantos frutos proibidos são colocados à nossa frente e acabamos mordendo o que não devemos? Qual o gosto que o homem sente ao provar do que não deve?)



A mesa é minha inimiga. Nos últimos dois anos eu ganhei 22 quilos (quase um quilo por mês, em média). Comer deixou de ser um prazer para tornar-se quase uma obsessão. Obsessão que preciso controlar.
Porém, eu nunca tive um bom relacionamento com o domínio próprio e o autocontrole. Agora, em meu corpo, pago o preço por não ter fechado a boca quando deveria.
Docinhos, bolachas, chocolates, sorvetes. Todos gostamos muito de tudo isso. eu, porém, não consigo consumir nada disso em pequenas quantidades. Se quero doce, tem que ser uma caixa. Se quero bolacha, um pacote, se quero chocolates, uma barra grande, se quero sorvete, um pote inteiro.
A desculpa que eu dou é a de que tenho taxa de Açúcar baixa e que sempre preciso compensa-la, pois sou hipoglicêmico.
A verdade é que sou viciado em açúcar.
Escrever isso não é fácil. Compartilhar algo tão mesquinho de mim mesmo, sem que pareça que quero a piedade de todos que me lêem é ainda mais difícil, exatamente por que não quero que você sinta pena, mas que se enxergue por meio dos meus erros. Não apenas os que eu cometi, mas os que cometo todos os dias.
Confessar nossas culpas faz bem, e uma das minhas maiores lutas é contra a falta de autocontrole. Domínio próprio é a elasticidade que o nosso superego tem para falar não ao nosso Id. É o controle da razão sobre a emoção e a vontade. E eu tenho grande dificuldade de dizer não para mim mesmo.
A pior parte de tudo isso é o depois. Depois de uma boa mesa, sempre sobra a dilatação do estômago. A dor estomacal é o sintoma de que exagerei, e todos os dias tenho sentido.
Não vou discutir os motivos que me levam a cometer estes deslizes. A ansiedade, a falta de maturidade para lidar com rejeição, a amargura, etc. tudo isso me conduz à falta de domínio próprio e acabo me punindo em meu próprio corpo.
Todos nós erramos, todos nós somos, eventualmente, dominados pelo desejo. Eu erro muito nesta área e preciso me controlar.
De uns tempos para cá tenho pensado em me policiar de forma mais ostensiva. Controlar o que desejo com a mente, mesmo que o corpo peça. Vou diminuir o açúcar. Sei que vou ficar mais ansioso e nervoso do que já sou, mas preciso de força para conseguir.
Eu tenho Jesus, então tenho onde buscar força. Quando não consigo me controlar, basta buscar a Ele e eu posso conseguir. Porém, mais do que qualquer coisa, preciso negar o excesso em meu desejo.
Preciso aprender a dizer não.
(continua abaixo)

NÃO! (CONTINUAÇÃO)

("Isto não é uma maçã", diz a frase no quadro de Reneé Magritte)


Dizer não é algo que aprendemos aos poucos. Não adianta tentar dizer não a tudo de uma vez. De vícios só nos libertamos gradativamente. E vícios, nada mais são, que hábitos que atingiram o ponto da patologia.
Hábitos fazem de nós quem somos. Como diria Samuel Becket, “A vida é uma sucessão de hábitos, pois o indivíduo é uma sucessão de sujeitos”. Nos intervalos destes hábitos é que vivemos realmente, quando “o tédio de viver é substituído pelo sofrimento de ser”. Porém, é no hábito que a grande maioria encontra a satisfação.
Concordo com Becket, mas viver não é um sofrimento, mas um risco. Quando dizemos não, corremos o risco perigosíssimo de descobrir que passamos tanto tempo dizerndo sim a algo que não nos traz real vivência, real prazer. Dizer não ao hábito é um passo importante para crescer.
A satisfação da vontade e da necessidade ganhou um aspecto de urgência em nós. Parece que precisamos viver e consumir o que desejamos o mais rápido que pudermos, pois não sabemos o dia de amanhã. Mal sabemos que estamos negligenciando nosso próprio amanhã quando damos este tipo de importância para o hoje.
O dia de hoje é importante para viver, mas a vida tem limites demarcados que estão muito aquém daquilo que o mundo tenta colocar na nossa cabeça. Enquanto as propagandas de bebida mostrarem jovens bonitos em volta de uma mesa, conversando, bebendo, sendo felizes, veremos jovens tristes envolvidos em acidentes de carro, em depressão e entregues ao vício. Tudo por causa da falta de autocontrole.
Este exemplo (não tão exagerado) é apenas um dos exemplos que podemos dar. Poderia falar sobre sexo, sobre cigarro, sobre possessão, sobre busca por poder, trabalho, etc. em todas as áreas nós temos pessoas que são assim: buscam o que querem e não se importam com os outros à sua volta. Este egoísmo e este fascínio pelo possuir geram a destruição destas pessoas. Elas se perdem por que não conseguem se controlar.
Eu só preciso fechar a boca. Substituir pro frutas os doces que tanto consumo. Creio que seja possível. Espero conseguir vencer esta jornada de minha viagem, mas só é possível com força de vontade. Ser viciado não é fácil e, por mais que pareça exagero, já que falo de açúcar e não de uma “droga”, preciso viver um dia de cada vez, sem arroubos, buscando tranquilamente a satisfação que as quantidades moderadas podem me oferecer.
Quanto ao que é ilegal ou imoral, isto eu não concordo em ter nem em quantidades moderadas. A viagem da droga só atrapalha a viagem muito mais alucinante em busca de si mesmo!

Proposta:

Deixe de fazer alguma coisa que você sempre faz.